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Decorridos 20 anos desde que este livro foi publicado (a primeira edição foi em 2005), e mais ou menos 60 anos da maioria dos fatos a que ele se refere, fiz uma releitura dos dois volumes, editados pela Universidade  de Brasília e pela Fundamar, de Belo Horizonte. Para ver, mais uma vez, se consigo entender o que aconteceu com o Brasil. Devo declarar que está dificil, quando somos obrigados a assistir, sem ação, ao roubo dos pobres aposentados e pensionistas do INSS. Ainda me lembro que fui comprar em 2005 dois exemplares numa Bienal do Livro no Riocentro, no Rio de Janeiro, a pedido do organizador, que queria certificar-se de que havia começado a sua distribuição.

O livro traz Carlos Lacerda, este jornalista polêmico, escritor, tradutor, poeta (basta ler A casa do meu avô) e político combativo, primeiro governador do então Estado da Guanabara depois da inauguração de Brasília, como personagem central, através de cartas escritas a personalidades da época. E também algumas respostas, umas agressivas, outras hipotecando solidariedade, algumas lacônicas, outras contestando suas posições. Ao leitor atual, acostumado com email e redes sociais, deve parecer estranho aquelas longas missivas, algumas vezes até cansativas de se ler. Mas é Carlos Lacerda em estado bruto, por assim dizer. Respondendo, no ato, a ações e inações que ele julgava intoleráveis.

O livro é fruto de uma parceria bem sucedida entre intelectuais. O organizador, meu primo Túlio Vieira da Costa, fez um trabalho minucioso, apoiado por uma equipe de pesquisadores e pesquisadoras de mão cheia. Baseado em cartas pessoais cedidas pela família de Lacerda à Universidade, e muitos outros documentos daquele período. É uma fonte de pesquisa para a posteridade. Para que os pósteros, como Dr. Túlio gostava de dizer, possam avaliar um período tumultuado da História do Brasil, com pessoas brilhantes como atores, e com consequências que sofremos até hoje, sobretudo na mediocridade da política nacional.

Gostaria de citar, ao acaso, duas passagens do livro. Uma é o encontro em um restaurante, nos Estados Unidos, de Carlos Lacerda com o então embaixador brasileiro em Washington,  Juracy Magalhães (com quem tive a surpresa de encontrar no ônibus que eu apanhava em Ipanema para ir trabalhar na Rua do Ouvidor, mais de uma vez, e que meus amigos acham, até hoje, que foi uma alucinação que tive devido ao sol da praia). Ao ser Lacerda reconhecido pelo garçom brasileiro (de Belo Horizonte), e ele ter comentado qualquer coisa sobre embaixadores e garçons, ao que o atendente respondeu "com a diferença que nós trabalhamos", Juracy deu a maior espinafração.

A outra passagem é uma longa carta escrita por Helio Silva, em resposta a comentários de Carlos Lacerda de que ele teria sido engabelado por Alzira Vargas, ao ter acesso aos arquivos pessoais de Getúlio Vargas. Segundo Lacerda, Alzira teria repassado a ele só o que interessava e omitido outras correspondências. Helio Silva, recordando sua longa amizade com Carlos Lacerda, rebate - com elegância - ponto por ponto das afirmações, e demonstra que cada livro do chamado "Ciclo de Vargas" foi lido, checado e corrigido por muitas pessoas, antes de ser dado ao público. O texto de Helio Silva é primoroso.

Os dois volumes das "Minhas Cartas e as dos outros" reúnem um farto material inédito à época e outros que foram acrescentados com autorização dos destinatários, autores ou pesquisadores. O livro dá uma imagem muito boa das relações pessoais entre personalidades do século XX, de suas dúvidas e apreensões, e nos dá um retrato da elite brasileira, sobretudo no âmbito da política.

Carlos G. Vieira

(8 de junho de 2025)

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