ERA UM SONHO. Só podia ser um sonho, ou, então, um destes universos paralelos de que falam os entendidos. De repente, eu me vi numa casa de fazenda muito antiga. Daquelas fazendas coloniais que existem em Minas, São Paulo e Rio de Janeiro. Casa enorme. Eu subi por uma pequena escada de pedra, que dava diretamente na varanda frontal. Havia um banco de madeira encostado à parede, e uma proteção também de madeira, com umas volutas.
Uma única porta dava acesso a uma sala, deveria ser a sala de visitas ou uma sala de entrada, não sei. Havia uma porta do lado esquerdo, que dava para uma outra sala ampla, com janelas que se abriam para o curral em frente e para o lado, de onde se avistava os pastos, e um paiol de milho logo embaixo. Agora me lembro melhor, pela disposição das cadeiras de palhinha, esta deveria ser a sala de visitas. Quem será que chega até aqui, aparentemente tão longe de outras casas, para visitar?
Estou em outra época, só pode ser isso. Numa fazenda de café. Percebo isso, porque logo abaixo da casa existe um terreiro enorme, onde o café fica secando ao sol. Continuo andando cautelosamente pela casa, como se pudessem me ouvir ou como se fosse surpreender alguém. Ao longo de um corredor largo, existem quartos. Um pequeno escritório, com livros e canetas, muitos papeis espalhados, revelam que o senhor faz daqui as suas contas, recebe os empregados e faz pagamentos. Sei disso, porque existe um cofre enorme junto à parede.
Continuar a leitura
Marcadores: Contos
“Digam de mim o que quiserem (pois não ignoro como a Loucura é difamada todos os dias, mesmo pelos que são os mais loucos), sou eu, no entanto, somente eu, por minhas influências divinas, que espalho a alegria sobre os deuses e sobre os homens.”
(Erasmo de Roterdã, “O Elogio da Loucura”)
PRIMEIRO CHEGARAM DOIS HOMENS, depois mais três, e logo somaram uns vinte com aspecto claramente indígena, chapéu na cabeça e sandália, alguns adereços. Fizeram um círculo bem na Plaza de la Constitución, mais conhecida como Zocalo, onde tremula uma enorme bandeira mexicana, viraram-se de costas para uma pequena multidão de curiosos, turistas em sua maioria, e abaixaram as calças, deixando ver a derrière esbranquiçada e lisa. Um protesto silencioso. Nada foi dito.
Ouviram-se vários “Oh, my God” das americanas, que correram a fotografar aquela cena insólita. Alguns guardas em uniforme azul-marinho vieram lá do lado da Catedral, outros do Monte de Piedad, parecia a todos que eles iriam impedir aquela cena, mas, solidários, limitaram-se a manter a pequena multidão afastada, porque já tinha gente querendo ver mais de perto, e os manifestantes estavam com cara de poucos amigos.
A qualquer momento, deveriam chegar as equipes de televisão e fotógrafos de jornais. A praça começou a encher. Veio gente de dentro da Catedral, veio gente que visitava as ruínas, veio gente da Avenida Francisco Madero, veio gente dos escritórios e, mesmo não sendo hora de almuerzo, veio gente dos restaurantes. A curiosidade era enorme. Vinte homens de bunda de fora. Isto dava chamada até na CNN. Em dado momento, passou uma pequena banda tocando Las Mañanitas, e os homens impassíveis, um pouco curvados, para que todos pudessem ver, sem distinção, e de qualquer ângulo, o que desejavam mostrar. Nenhum cartaz, nenhum discurso inflamado, nenhuma faixa. A multidão foi aumentando e os poucos guardas de azul-marinho pediram reforços. Alguém chegou a pensar no exército. Uma senhora veio e estendeu um lenço vermelho no chão, sugerindo alguma revolta de uma ala da esquerda contra o PRI. Mas os homens pareciam indiferentes, camponeses, gente do interior, trabalhadores da terra. Não pareciam interessados nas coisas da política.
Marcadores: América Latina, Contos
Foi meu amigo José Roberto Moura quem teve a gentileza de me doar, em 2018, este livro. E na dedicatória, desejou "boa usagem". O livro tem organização do Prof. Wladimir Alves de Souza, prefácio de Tancredo Neves, e é fartamente ilustrado a bico de pena.
Marcadores: Arquitetura e Urbanismo
Nasci no bairro do Rio Comprido, perto da Rua Dona Cecília, no Frauenheim. Parteiras alemãs de mãos enormes, poucos sorrisos, mas eficientíssimas. Talvez por isso mesmo eu tenha nascido tão rápido, e tenha querido voltar subitamente para o útero materno, ao perceber o novo e hostil mundo que me esperava. Contaram-me, depois, que berrei como louco, e as alemãs sorriram em aprovação. Minha mãe, que fazia parte da Deutscher Frauenverein, sentia-se como que em casa. Eu não.
Marcadores: Pequenas histórias
(Livro As aventuras de Lucas e o robô dragão, Álvaro Esteves & Lucas Borges, 2020)
(8 de setembro de 2020)
Marcadores: Lançamentos, Livros Infantis